quarta-feira, 15 de julho de 2015

Entre Macondo e Rios*


Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco, em que o sinal da Sky se pôs a falhar em pleno domingo e compôs a cara de convalescentes dos torcedores de futebol, que logo se acostumaram a interpretar as pausas de transmissão como anúncios de cinco segundos no YouTube. O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Sul mandava tornados que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações.

A própria calamidade ia inspirando defesas contra o tédio. Não fosse por esse apodrecimento das ruas que nada teriam tido de asfaltadas para alguém que não estivesse doente de antipódico, e Fernanda não teria se importado com a chuva, porque afinal de contas toda a sua vida tinha sido como se estivesse chovendo.

Não modificou as rotas nem navegou os rios e nem os lagos, que de tanto trasbordar formaram três cachoeiras voluptuosas de concorrência ao São Francisco pelos vales do Jordão, uma para cada fronteira.

Aureliano Segundo viu-se a si mesmo nos espelhos e sua pele verde pelas algas não deixava dúvidas que a Sanepar já não separava aquelas águas das dos esgotos, tampouco nela adicionava a antiga e extinta vitamina D. Demorou três meses em pé, descalço no banheiro, para se decidir em sentir cãibras no lugar de orgulho, sono no lugar de vaidade e labirintite no lugar de pasta de dente.

Tardiamente preocupado, Aureliano Segundo jogou na cabeça um pedaço de oleado e alarmou-se com o estado das ruas. Já jorravam 852mm de águas celestes naquele terceiro mês de maio desde a última estiagem quando ele pôs-se a dirigir entre buracos e lamaçais. O ruim era que a chuva atrapalhava tudo e sua Amarok brotava em bromélias por entre as engrenagens se não fosse lubrificada de três em três dias, e se enferrujavam os metais dos celulares, e nasciam algas de açafrão nas botas de couro molhado. Demorou-se duas semanas para transcorrer cinco quilômetros e decidiu por utilizar os meios fluviais. 

A atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas dos Guarios e sair pelas janelas dos J.Araújos, navegando no ar entre os assentos. A Árvore de Maio erguida no centro da praça havia dois outonos ao som e danças típicas suábias, lançava suas raízes crescentes sob a Praça Nova Pátria e renascia esplendorosa em uma aglutinação enxertada de eucalipto com araucária. Tardou poucos dias para Úrsula descobrir que o pinhão fruto daquela aberração não só era comestível como o hálito dos seus devoradores espantava pernilongos.

Aureliano Segundo voltou para casa com seus baús, cinco meses depois de navegar e desbravar cada légua dos Rios Jordão e Pinhão com sua pick-up Volkswagen, convencido de que o governo estava esperando estiar para preencher as grutas que se multiplicavam nas vias estaduais.

- Encontrei o centro da terra, seguindo um dos buracos depois da colina de Jordãozinho – murmurou – O magma é mais quente do que aqui, mas a chuva também já o arrefeceu.

Com a mesa da sala de estar ainda suspensa sobre tijolos e as cadeiras colocadas sobre tábuas para que os comensais não molhassem os pés, Fernanda continuava servindo com toalhas de linho e louça alemã. Mas quanto mais folga o Governo dava às urgências domésticas, mais intensa ia se fazendo a indignação de Fernanda, até que seus protestos eventuais, as queixas pouco frequentes transbordaram numa tormenta incontida, desatada, que começou certa manhã como um monótono bordão de um acordeon e que à medida que avançava o dia foi subindo de tom, cada vez mais rico, mais esplêndido.

Richa não tomou conhecimento da ladainha até o dia seguinte depois do café quando se sentiu aturdido por um zumbido fluindo mais alto que o barulho da chuva e era Fernanda em passeata com outros cinco mil e oitocentos e quatro indignados, lamentando-se de que os tivessem educado como reis para acabarem numa casa de loucos, chamados de vagabundos, alcoólatras, libertinos, que ficavam de papo para o ar no Facebook esperando que chovesse piche do céu, enquanto ele trocava o gás lacrimogênio vencido e dizia tentar manter à tona um lar preso com alfinetes, e no entanto nunca ninguém lhes dera um bom dia, meu povo, como passou a noite, meu povo?, nem lhes perguntara, mesmo que fosse só por delicadeza, por que estavam tão pálidos nem por que se levantavam com essas olheiras roxas, apesar de não serem ex-BBBs.

Assim foi. Numa sexta-feira, às duas da tarde, conforme o extremo oposto da previsão do Simepar, iluminou-se o mundo com um sol bobo, vermelho e áspero como poeira de tijolo e quase tão fresco como a água, e os buracos foram tapados e não voltou chover durante dez anos.

*Evidentemente baseada na obra-prima de Gabriel Garcia Márquez, Cem Anos de Solidão, e transformado em um texto-paródia ao se perceber que simplesmente citar o trecho em momentos de chuvas torrenciais já não era qualquer ideia genial. Versão original disponível no Capítulo 16, página 299 a 308 (da 66a edição, pelo menos).

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A Arte da Guerra (Conjugal)*

A guerra, na verdade, como se sabe, não é vital, mas mortal em uma relação conjugal; por isso é preciso saber manejá-la. Há lideres natos, denominados pelo Estado como esposas, que possuem a força, a estratégia e o conhecimento necessários para vencer todos os combates. Aqui chamaremos esta hierarquia de "líder". 

E há os sobreviventes, que recebem a ortoga civil de marido, aqui denominado “general”. Este manual é destinado aos generais, para que consigam se estabelecer diante dos enfrentamentos rotineiros do dia a dia.

Sobre o princípio das ações.

Se houver que ser feito. Há que se fazer.

Mas se não houver, mas quiserem que seja feito... Também há que se fazer.

Se for fazer, não basta pensar em fazer. É preciso dizer que se está pensando em fazer.

Se disser que está pensando em fazer, faça. E se fizer, diga logo que está fazendo.
Pois o líder não precisa saber o que está sendo feito. Mas se souber que está sendo feito, então o líder recuará por meia hora.

Ao fazer, conte o que está a fazer. Não é importante ao líder o que esteja sendo executado, mas que  se esteja disposto a contar o que está a fazer.

Se fizer, apenas, sem contar como, então o líder sentir-se-á fortalecido. Se, porém, por outro lado, contar como, mas não o fizer, então o líder sentir-se-á traído.

Portanto, uma vez prometido, não apenas faça, mas conte que está trocando a borracha da porta da geladeira por outra mais resistente, que não resseca, encomendada de uma loja online do leste chinês. Mas é preciso esperar o momento correto, que será quando o líder demonstrar interesse em saber o que está sendo feito.

Sobre a medida na disposição dos meios.

Ao contar que pensou em como fazer o quiseram que fosse feito e desejado que fosse dito como seria feito, diga imediatamente, como contramedida preventiva, que já providenciou tudo o necessário para fazê-lo.

Se, no entanto, o líder cercá-lo com a pergunta „quanto custou?“, diga apenas que usará as próprias armas de pagamento. A medida, além de evitar um novo contragolpe, possibilitará ganho de território estratégico.

Ao iniciar a batalha prometida, conte que ela foi iniciada. Todavia, certifique-se de, ao contar que foi iniciada, também detalhar os próximos passos, como a cola de secagem ultra-rápida que será utilizada no intuito de evitar o esfriamento da geladeira e salvará 98% dos alimentos ali condicionados, gerando economia cinco vezes superior do que se a cola fosse aquela para scrapbook. Essa ação é conhecida na esfera militar como „embromation“ e tem a simples função de causar desinteresse e possibilitar ganhos adicionais de tempo.

Sobre a firmeza.

Ao dar, efetivamente, os próximos passos, certifique-se também, além de prestar contas ao líder, de garantir a própria hidratação com energéticos enlatados de malte e a satisfação da tropa, assistido todas as estratégias do seu time de artilharia pesada no Sportv.

Desta forma, se neste ínterim for apanhado, haverá motivação suficiente para continuar na mesma hora. Se, no entanto, não o for, estará revigorado para os próximos passos.

Ao contar que o assunto está quase resolvido, não informe quanto tempo ainda será investido. Diante da capacidade de reter informações que lhe convém, o líder poderá atacá-lo com novas perguntas, o que poderia gerar grandes perdas ao seu pelotão.

Por fim, reúna as últimas forças da sua tropa e anuncie que a missão de trocar a lâmpada da lavanderia foi cumprida com êxito. Lembre-se de não deixar nada para trás, nem mesmo vestígios de sapato sujo na cerâmica branca.

Mesmo diante da expectativa de paz, não recue. Mantenha-se em vigília, caso o líder encontre uma nova missão adicional – com elevada probabilidade de solicitação.

Diante dessa situação, lembre-se da estratégia inicial: Contar. Sempre.

Neste caso, diga que já havia pensado, por coincidência, em fazê-lo. Também lembre-se de iniciar imediatamente o combate de consertar o botão de enxágue e o cano de abastecimento da máquina de lavar, o que impedirá um contra-ataque indesejado.

Sobre a arte de atacar pelo fogo.

Se, no entanto, estiver com o plantel inferiorizado, informe ao seu líder que precisará se restabelecer.

Caso receba uma inesperada aprovação de dispensa temporária, jamais cogite a hipótese de usar o tempo livre para debates com aliados, fora da fronteira. Invista na própria recuperação e nos debates com o líder, ao longo de todo o período, sobre como será realizada a operação seguinte.

Não recue. Se recuar, diga que está pensando em recuar. E depois recue.

Sobre as “novas” classes de terreno.

Neste cenário, esteja preparado para um ataque virulento que deverá dizimar toda a obra construída ao longo do embate anterior.

Então, lembre-se: um grande general sempre conta o que fez, pensa em fazer e está fazendo. Esse general, então, terá demonstrado toda sua coragem.

Reúna forças e conte todas as suas contramedidas ao líder. Demonstre nobreza ao agradecer pela clemência.

E, por fim, inicie novamente, contando que está pensando em fazer tudo o que quiserem que seja feito.


*Singela paródia da obra de Sun Tzu (em terceira, e não segunda, pessoa), dedicada com muito amor à minha futura líder. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Serial Killer

Diariamente a mesma sensação. Ou melhor. Toda noite. Não há horário fixo, nada previamente estabelecido. Mas ao deitar a cabeça no travesseiro, já sei que serei acordado para cumprir minha missão. Antes mesmo do alvorecer. Meu psiquiatra preferido, aquele que ainda vive, diz para eu me ater aos fatos. “Não se deixe levar pelo impulso. Beba um copo d’água e volte para a cama”. Não bebo água. Mas tenho sede de vingança. Toda santa noite. E sempre o mesmo epílogo.

Geralmente acontece por volta das 3h. A TV antiga de tubo do meu quarto, ligada até antes de me deitar, estala como um tiro, ao resfriar com a brisa das montanhas. É o estopim para mais um martírio. Entre a aflição e o desejo, levo adiante mais uma perseguição. É chegada a hora de encontrar a próxima vitima.

Não vou longe. A noite fria desmotiva até o mais ardente matador. Mesmo com o clima ameno, elas estão ali. Como se em um desejo inconsciente de serem atacadas e serem saciadas pelo prazer do sofrimento. Geralmente é jogo rápido. Ele ou ela (tampouco me preocupo em diferenciá-los), até tenta escapar, mas não resiste ao golpe único. Anos de uma vida infernal me brindaram com uma precisão cirúrgica. O golpe frio ecoa pelas sombras noturnas enquanto me delicio com a visão daquele corpo imóvel. Amassado.

Religiosamente recito o mantra póstumo: “Sangue do meu sangue. Ninguém pediu para você cruzar o meu caminho. Agora siga o seu, em outro plano. Longe de mim. Longe dos meus pensamentos. Longe dos meus sentidos”.

Lavo as minhas mãos. Literal e metaforicamente. Volto para a cama. Realizado. Certo de que não existe prazer maior do que acabar com a raça daquele pernilongo filho da p... .


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Brasil x Alemanha: maldição do anfitrião, salve a Seleção





Não se trata de jogar praga. Nem brincar com a estatística a favor do Brasil ou contra a Alemanha. Justo agora, a poucas horas do embate decisivo entre ambos. Mas alguns dados sobre a história das Copas do Mundo são curiosos. Dois fatores garantiram 68,8% dos campeões das últimas 19 edições: ser o anfitrião de um Mundial ou vencer os donos da casa durante a campanha, com representatividade de 37 e 31,5% das vezes, respectivamente. Ou seja, em 7 das 19 Copas, o país-sede levou o título, enquanto que em outras 6 oportunidades, o campeão venceu o anfitrião.

Ocorre que uma espécie de “maldição” paira sobre a Alemanha quando se aproxima das finais. Com sete decisões mundiais e três títulos no currículo, os alemães perderam três das outras quatro finais em torneios nos quais eliminaram o país-sede. Em 1966, única oportunidade na qual poderiam levar o caneco vencendo os anfitriões, perderam para a Inglaterra com um “no goal” na prorrogação. Em 1982 venceram os espanhóis, donos da casa, na segunda fase (e perderam a final para a Itália), em 1986 eliminaram o México (e foram derrotados pela Argentina na decisão – mesmo destino da Itália que eliminou os mexicanos em 1970 e perdeu para o Brasil em Guadalajara). Em 2002, a Alemanha passou pela Coréia do Sul nas semifinais e... penta para o Brasil! Sempre quando foi campeã, 1954, 1974 e 1990, o chucrute passou ao largo dos países-sede. Em caso contrário, azedava

OK, mas estatística não entra em campo.

- Espera lá! Vocês estão esquecendo de um dado importante. Desde 1930, no Uruguai, as estatísticas são mencionadas em 98,76% das transmissões de jogos! – argumentaria, certamente, o craque Paulo Vinícius Coelho, da ESPN, se conhecesse esse blog e existisse tal levantamento.

Tudo é uma questão de ponto de vista. Se juntarmos todas as estatísticas, o fato de vencer o anfitrião ou o de ser país-sede garantiu vaga na final em 89,5% das Copas disputadas até hoje. Mas do total, em 21% das oportunidades, ou 4 em 19, quem venceu o anfitrião terminou com o vice-campeonato. Além da Alemanha, apenas Itália (em 1970, conforme posto antes) e a Argentina experimentaram a mesma sensação: esta, justamente em 1990, quando eliminou os italianos, em Nápoles, nas semifinais, e foi superada pela Alemanha, em Roma. Mas, alto lá, não seriam, então, 5 em 19? A Copa de 2002 contou com duas sedes, ferrando com todas as estatísticas. Mais sobre isso, à frente.

Já o Brasil conquistou três dos seus cinco títulos mundiais ao superar o país-sede pelo caminho. Em 1958, bateu a Suécia na final. Em 1962 eliminou os chilenos nas semi. E em 1994 passou pelos EUA, nas oitavas. Em 2002, venceu a Turquia nas semifinais – os turcos que haviam despachado o Japão nas oitavas. Nos outros dois títulos, em 1970 e em 2002, fomos “favorecidos” pelo fato de os vices terem se “auto-amaldiçoado” ao vencerem os respectivos anfitriões.

Por sinal, o Brasil já viveu os dois lados da moeda. Ao perder a final de 1950 em casa, fato que ocorreu apenas duas vezes na história, e foi se repetir curiosamente em 1958, quando a Seleção Canarinho superou os suecos.

Conta a favor da Alemanha, nesta terça-feira histórica, dia 8 de julho de 2014, apenas uma outra (frágil) estatística: todos os tretracampeões mundiais demoraram 24 anos, desde o tricampeonato, para chegar ao seleto nível. O Brasil entre 1970 e 1994 e a Itália entre 1982 e 2006. O tri alemão foi conquistado há exatos 24 anos. Contra a Argentina. Mas, à época, os hermanos eram os “amaldiçoados” da vez.

Em 2014, a grande chance da Seleção Brasileira, diante dos contundentes desfalques, é a de poder vencer e superar o anfitrião, ou seja, a si mesma. Assim como fizeram Uruguai, em 30, Itália, em 34, Inglaterra, em 66, Alemanha, em 74, Argentina, em 78, e França em 98. Pois, caso contrário, ainda corremos o risco de a Argentina superar a Alemanha. Até porque, nunca antes na história das Copas a Europa levou três títulos seguidos. Um alento para os sul-americanos. Aos que falam português, espera-se.

Por Neymar, pelo povo brasileiro, pelo muito orgulho e pelas Santas Estatísticas: Vai Brasil!

Confira abaixo o histórico dos anfitriões e o caminho dos campeões:

1930: País-sede: Uruguai. Campeão: Uruguai.

1934: País-sede: Itália. Campeã: Itália.

1938: País-sede: França. Campeã: Itália, venceu a França nas quartas-de-final (3x1).

1950: País-sede: pula essa.

1954: País-sede: Suíça. Campeã: Alemanha. Suíça eliminada pela Áustria nas quartas, posteriormente vencida pela Alemanha Ocidental, nas semifinais.

1958: País-sede: Suécia. Campeão: Brasil, batendo a Suécia, na final, por 5x2.

1962: País-sede: Chile. Campeão: Brasil, vencendo o Chile, por 4x2, nas semifinais.

1966: País-sede: Inglaterra. Campeã: Inglaterra.

1970: País-sede: México. Campeão: Brasil. A Itália venceu o México por 4x1 nas quartas e perdeu para o Brasil pelo mesmo placar na final.

1974: País-sede: Alemanha. Campeã: Alemanha.

1978: País-sede: Argentina. Campeã: Corrupção.

1982: País-sede: Espanha. Campeã: Itália. A Alemanha venceu a Espanha na 2a fase, mas perdeu a final para a Itália.

1986: País-sede: México. Campeã: Argentina. Adivinha? A Alemanha venceu o México nas quartas (nos pênaltis) e perdeu para a Argentina na final.

1990: País-sede: Itália. Campeã: Alemanha. Maldição devolvida: Argentina eliminou a anfitriã e perdeu para a Alemanha na final.

1994: País-sede: EUA. Campeão: Brasil, que ganhou dos EUA por 1x0 em pleno Independence Day (4 de julho, grito do Ipiranga, por: Bebeto).

1998: País-sede: França. Campeã: Nike.

2002: Países sede: Japão e Coréia do Sul. Campeão: Penta Brasil! A Turquia eliminou o Japão e foi eliminada pelo Brasil. A Alemanha, veja só: eliminou a Coréia do Sul e perdeu a final.

2006: País sede: Alemanha. Campeão: Materazzi. A Itália eliminou a Alemanha nas semifinais, com dois gols nos últimos dois minutos. Das tut weh!!!

2010: País-sede: África do Sul. Campeã: Espanha. A África do Sul é a primeira seleção de país-sede a não avançar para a 2a fase de Copa, sendo eliminada juntamente com a França na fase de grupos.

RESUMO:

Em 7 de 19 Copas, o campeão venceu o anfitrião e foi campeão: 37%
Em 6 de 19 Copas, o país-sede foi campeão: 31,5%
Em 4 de 19 Copas, o vice-campeão venceu o país-sede: 21% (Alemanha 3 vezes)
Em 1 de 19 Copas, o campeão venceu a seleção que havia eliminado o país-sede em fase anterior: 5,25%  (Alemanha, em 1954; o Brasil superou a Turquia que havia vencido o Japão, mas para fins estatísticos contabilizamos apenas um país-sede)
Em 1 de 19, o país-sede não teve contato com os finalistas: 5,25% (África do Sul).

Em 68,3% das Copas, o campeão ou era o país-sede ou venceu o anfitrião.
Em 98,5% das Copas, o finalista era o país-sede ou a seleção que venceu/eliminou o anfitrião.

Fontes estatísticas: Wikipédia. :)
Texto: Klaus Pettinger

sábado, 4 de janeiro de 2014

Quando ouvi Nietzsche chorar


Quando Dr. Josef Breuer perguntou a Friedrich Nietzsche quais haviam sido as três grandes traições da vida do filósofo, acionei a frenagem do meu carro antes de passar pela lombada que indicava o desvio pela marginal da BR-277, em função das obras de duplicação do trecho.

Nietzsche chorou, pela primeira vez, cerca de 10 quilômetros adiante.

A conversa franca entre Dr. Breuer e Nietzsche, no livro “Quando Nietzsche Chorou”, de Irvin D. Yalom, se passava em dezembro de 1882 – mais precisamente no dia 18 daquele mês. Adiantado toda vida, eu vivia aquele momento, todavia, na noite de Natal de 2013.

No meu dia seguinte, o doutor e o filósofo ainda estavam no mesmo momento, desvendando, desvelando e compartilhando profundas feridas psicológicas. Quando Nietzsche confessou que aquele choro havia sido o primeiro da sua vida, descia eu a reta da PR-170, sentido Entre Rios, a qual dava acesso à sequência de curvas da serra do “Cadeado”. Mesmo ponto no qual, dias antes, Nietzsche havia, inversamente, alertado e arrebatado um desalentado Breuer com a frase de que uma vida por demais segura era perigosa. Também por ali, mais um par de dias anteriores, em uma das curvas mais fechadas do trecho, Dr. Breuer havia negado à intransigente Lou Salomé detalhes sobre o encontro dele com o paciente e seu futuro médico da mente.

Ainda antes disso, exatamente no momento enquanto ultrapassava um comboio de caminhões, próximo ao mirante da Serra da Esperança, na BR-277, sentido Curitiba-Guarapuava, o amigo de Dr. Breuer, um jovem de 25 anos, aspirante às funções clínicas, chamado Sigmund Freud, havia sugerido o plano que culminaria no internamento de Nietzsche em uma clínica, onde, supunham, poderiam curar o filósofo dos seus “tormentos”.

Por fim, foi por volta das 22h50 do dia 25 de dezembro de 2013, que Nietzsche chorou pela segunda vez, ao me aproximar do trevo de acesso à colônia Samambaia. Na última vez em que o livro cita Zaratustra, havia acabado de passar pela segunda das três lombadas do acesso à Colônia Jordãozinho, precisamente às 23h do mesmo dia.

Quem já leu “Quando Nietzsche chorou”, deve ter reconhecido os trechos citados. Eu jamais o li, mas o achei fantástico. A obra do psicoterapeuta  Irvin D. Yalom é, simultaneamente, de uma densidade e de uma franqueza transcendentais. A história de dois gênios, cada qual em sua área, que de fato jamais se conheceram, mas reconhecidamente detentores de mentes perturbadas pelo que há de mais inexorável à psique humana, cunhou um encontro fictício com diálogos e trechos brilhantes.

Um áudiolivro que calhou perfeitamente para preencher o tempo ocioso de deslocamento dentro de um veículo. Aliás, é interessantíssimo perceber a associação que nossa mente traça entre fatos (tidos como) importantes captados pelos ouvidos e a visão daquele exato momento. Não são poucas as vezes em que lembranças de conversas travadas dentro de um carro são associadas pela memória ao trecho percorrido naquele lapso de tempo. O que, convenhamos, não é lá um fator de grande utilidade, a menos que se escreva um texto sobre determinado áudiolivro...

A quem nunca experimentou ou considera um sacrilégio contra o livro lido, eu garanto: não é a mesma coisa, mas em vozes como a de José Wilker, que, mais do que ler, interpretou vocalmente cada personagem, o áudiolivro é um alento para quem antes apenas se divertia cantando Legião Urbana sozinho no carro – que, por sinal, agradece imensamente a mudança de hábito.

P.S.: Atualmente, estou na metade do caminho entre o começo e o fim (que outra metade do caminho haveria?!) de outro livro magistral: “1822”, de Laurentino Gomes, e narrado por Pedro Bial. Curiosidade: o próprio autor lê a sua introdução ao áudiolivro. Outra curiosidade: em 1822, 90% da população brasileira era analfabeta. Fato revelado, também, veja só!, durante a subida pelo “Cadeado” - estaria ali a chave para a liberdade? 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O frasco de ipê amarelo


O fim de tarde continuava quente, enquanto o sol apenas se enrolava, esperando a hora de trocar de expediente com sua sucessora em nova fase, a lua. O rapaz observava o espetáculo crepuscular pela janela quanto seu estômago começou a ronronar estranhamente, despertando a ira da beagle que dormia sob a mesa. Disposto a testar algo novo para acalmar seus desejos viscerais, digitou, sinicamente, “receitas fáceis, deliciosas e baratas” no Google. Ironicamente, apareceram fotos de deliciosas guloseimas intercaladas com imagens em close do inseto que toda mulher odeia. “Baratas... stupid Google”, pensou. Encontrou o que procurava: carpaccio de carne defumada, ao molho de mostarda com mel, alcaparras e rúcula. Descobriu que não tinha nem metade do que precisava, e resolveu inovar. Enquanto buscava os ingredientes na dispensa, lembrou-se que esquecera do item essencial.

Na realidade, sabia que estava em algum lugar daquela cozinha bagunçada e cheia de louça por lavar, há duas semanas e meia. Disciplina culinária já lhe passava ao largo, o que dizer, então, da mania de limpeza. Nunca a sentiu, nem sequer a brisa da sua passagem. Começou a procurar. Entre caixas de ovos e isopor do microondas que comprara há seis meses, localizou sua cadela a balouçar-se freneticamente, imaginado que finalmente chegara a vez do manjar. Lodo, ou melhor, ledo engano. Continuou a varredura. Engatinhando feito o próprio animal de estimação, já ia desistir quando finalmente topou com a verdade, nua e crua. Ajoelhado, viu brotar diante da lixeira um líquido preto. Imediatamente seu semblante recheou-se em rugas. O rio formado por aquele fluído doravante intragável exalava o cheiro de cada segundo jazido ao sabor do tempo.

Um odor que, imediata e estranhamente, lhe rendeu uma regressão à sua primeira infância. Memórias que, ainda há pouco, repousavam em coma induzido, efusivamente delegaram ao peito a missão de corroer novamente dores saradas. Ignorando as súplicas de sua beagle, que clamava por uma bisteca light, grelhada ao ponto mais, o homem fora subitamente levado ao único momento de sua infância paupérrima gravada em alta definição e som dolby surround 7.1.

Tinha quatro anos. Mais magro que o potro definhante que cambaleava sob o sol escaldante do agreste guarapuavano, o piá “mirrentinho” (leia-se mirrado) ajudava seu velho pai a catar latas no lixão da cidade. Tudo transcorria como sempre naquele fim de tarde de verão: o vento ventava frio, enquanto o sol ainda esquentava inclemente a terra do Cacique Guairacá, quando subitamente começou a chover. Como sempre, ele quis correr para se abrigar das gotas gélidas, mas o pai ordenou que levantasse a cabeça aos céus e agradecesse, orando em direção ao arco-íris que se formava de vereda, em frente às nuvens repletas de tons de cinza.

Quando concluiu o agradecimento, viu o seu pai com os olhos marejados. “É que choveu bem na minha vista, filho. Já é ruim, isso”, tentou disfarçar. Mas ao perceber o ceticismo do piá, apontou para um clarão em meio aos destroços do cotidiano urbano. Como se fora uma miragem, uma flor de ipê amarelo vertia do deserto de lixo. “Isso é um milagre, meu filho”, gritou o pai. “Busca ela pra mim, vamos!”, ordenou. Ao se aproximar, o piá percebeu se tratar de uma flor de plástico. Conhecedor do pai que tinha, resolveu inovar. Logo ao lado, encontrou um belo vidro verde, alto, de quatro lados arredondados. Era o mais belo que já havia visto em um lixão. “Colheu” a flor dos dejetos, limpou na calça imunda e colocou-a dentro do vidro. Com sorriso faceiro, braços esticados à frente, retornou e entregou o presente ao pai.

Xucro que só ele, logo viu de longe que a flor era irreal e, cansado dos desapontamentos da vida, jogou o mimo ao chão. Ativo que era, o piá correu para juntar os destroços do coração amargurado do seu velho. Primeiro, abraçou-o. Depois, foi atrás da flor inanimada de ipê. Contudo, ao chegar “de apar” do vidro, sua visão congelou sobre o líquido preto que haveria de lhe regredir àquele momento, 25 anos mais tarde. Ao longo do rio que vertia do frasco esverdeado, moscas jurássicas apoderavam-se de um inexeqüível cheiro azedo e intragável. “Isso já é gostoso, piá do céu”, disse o velho pai. Percebendo a expressão pré-descarrego gástrico do seu filho, foi logo explicando. “No meu tempo de piá, trabalhei num restaurante italiano. Pense num lugar bom de comer. Lá, sobre cada uma das mesas, havia um vidro desses. Igualzinho”, relatou. “Mas como alguém conseguia comer um troço desses, paiê?”, perguntou o piá. “Largue mão de ser burro, filho. Isso aí é um tipo de vinagre. Diz que é vinagre ‘balsame’, ‘balsâmio’, coisa assim... Loco de bom. Um dia, quando a gente estiver melhor de vida, vou comprar pra você provar”. Incrédulo, o piá segurou na mão estendida do pai, levantou-se e seguiu-o no caminho para casa.

Ao aterrissar novamente no presente, percebeu a besteira que estava fazendo. Chamou o restaurante chique da cidade e pediu dois pratos de carpaccio para viagem. Vestiu o tênis, pegou a chave, esqueceu o dinheiro, pendurou na conta a melhor garrafa de aceto balsâmico, e acionou seu celular. “Oi pai. Quer jantar comigo? O quê? Mas é claro que minha cozinha está limpa! Como assim, você duvida?! Tudo bem, pai. Estou chegando aí!”. Voltou para casa, jogou a bisteca light no potinho da beagle, olhou para aquela cozinha imunda e ficou pensativo. Resolveu inovar. Pegou o carro, passou no restaurante e depois pela praça. Colheu uma flor de ipê amarelo e colocou-a, carinhosamente, no vidro velho de vinagre balsâmico que encontrara caído atrás da lixeira da sua cozinha. Partiu para o jantar italiano na casa do seu pai. Louco de faceiro.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Textura artísitica


Foto: Klaus Pettinger

Uma pintura. A imagem naturalmente celeste tingida por tons enrubescidos pela conjectura do anoitecer. Raios solares sob prismas únicos, tanto mais diversificados em cores quanto menor a incidência de luminosidade. Espetáculos diários e despercebidos, relegados a fundos de tela, cujo primeiro plano não passa de uma janela fechada em cortinas cotidianas, um pára-brisa diante de olhos concentrado em problemas, um smartphone bloqueador de natureza, uma câmera fotográfica a colocar o espetáculo em foco. Sim, a foto contempla. Só que não. Uma máquina a capturar o tal momento já chegou a representar a boa vontade humana em parar dez segundos diante do fenômeno. Não para apreciá-lo. Mas para compartilhá-lo. Não por ser belo. Mas por gerar admiração e comoção social. A natureza continua desfocada.

Um pôr do sol na velocidade da luz é tempo demais. Questão de meia hora, entre prospectar a cabeceira da pista, embicar os raios solares paralelamente ao chão e pousar no horizonte infinito, deixando para trás o rastro de frenagem na escuridão completa. Mas, lembre-se, a velocidade da luz já é tempo demais. Tudo bem, dez segundos são suficientes para diluir nossa culpa, para mirar, focalizar e clicar o botão que ativa o jogo de espelhos artificiais em uma tela de vidro sensível (irônico!) a toques. A foto é linda, a imagem é impressionante. O sentimento que incita? Admiração e vontade de viver aquele momento. Ironia humana. “Fi-lo porque não qui-lo”, diria o poeta, contudo “far-lo-ia” por não ter de verdadeiramente fazê-lo.

E se... ? 

Cinco minutos diante de uma cachoeira e a queda d’água infinita que jamais se repete. Nas imagens capturadas, um véu pateticamente idêntico em todas as poses. A resolução da imagem, com a assimetria sutil e real apenas a união dos sentidos pode acompanhar: em profundidade visual, no jogo de luz e cores, no barulho de estática de rádio, no cheiro de terra molhada, no gosto de cerveja e na coceira de mosquito.

A quantidade de cores de um pôr do sol é incontável (exceto por Chuck Norris, que troca os toners do sol a cada 15 dias, como se sabe). O pantone celeste, porém, é capturável em foto. Agora, segue o desafios aos colegas da Getty Image e concorrentes fotografar: a profundidade do conjunto de nuvens sobrepostas por relevos e sobrepondo o sol; a textura do céu em permanente ultraje; a curvatura do horizonte fortalecida pelo dégradé de luzes; as cores rosadas das nuvens refletidas na lateral oposta do carro a passar pela imagem; as cores rosadas das nuvens refletidas na asa direita do besourão a cruzar a imagem; o pernilongo fdp que entrou pela janela em busca de jantar, enquanto o fotógrafo apreciava tudo isso. No way!

Existe uma programação diária de apresentações únicas, mágicas e improvisadas a ser apreciada de camarote. E com o acessório da moda: a imagem em 3D. Sem óculos ridículos, aliás. Porque nascemos com a melhor lente já produzida. Que está apenas cansada demais. Ou míope. Ou desfocada.