sábado, 21 de abril de 2012

Torneira de ideias

Com gosto de menta na boca, ainda assim não sabia o que escrever. Mantém esse costume, na esperança de sempre dar certo. Hoje não deu. Percebeu cedo que as melhores idéias lhe apareciam enquanto escovava os dentes. Frases de efeito, introduções interessantes para textos, formas inovadoras para qualquer situação do cotidiano - tudo já surgira enquanto massageava a gengiva e esterilizava a dentina. 

O motivo do fenômeno ele ainda tentava descobrir. Através da mesma metodologia – ora, se é durante o escovar que surgem os insights, seria do mesmo modus operandi que a explicação haveria de aflorar. Uma das suas teorias aponta para a maior irrigação do cérebro, pois a pia baixa o obriga a ficar naquela posição hilariamente explorada no Best-Seller “Por que homens fazem sexo e as mulheres fazem amor”. Segundo a publicação, todo homem escova os dentes com as duas pernas bem afastadas, tronco vertiginosamente inclinado para frente e bumbum arrebitado, afim de evitar qualquer sujeira além dos limites daquele esquadro. Mas, se esse fosse o motivo, filósofos orientais já teriam dito a milênios que pensar de ponta-cabeça melhoraria a criatividade. Aliás, durante uma das higienizações bucais percebeu a sorte que a humanidade teve ao não ser apresentada (ainda) a esse método “morcegal” de meditação.

Desta vez, porém, nada lhe adiantava. Escrever o que? Com que argumentação, com que propósito? Resolveu escovar os dentes novamente. Vai que... Seria a marca do creme dental? Estaria a “menta gelada” a arrefecer sua criatividade? Quando se deu conta, pensava em qualquer coisa relacionada ao Facebook, enquanto fazia embaixadinha com sua bola Reebook e praticava o movimento de “sobe e desce” da escova nos dentes frontais, há 10 metros do banheiro. “Desse jeito, jamais terás um insight digno de nota, traste”. Concluiu o enxágüe, vestiu-se e passou o perfume em forma de granada: “Esse diesel deve ser incendiário”.

Sentou-se ao seu laptop ou notebook, nunca digitou ambos no Google com “+ diferença”, para distingui-los em seus textos. Abriu o Word. Começou a escrever sobre qualquer coisa cotidiana, citou livro de auto-ajuda, citou também suas teorias mirabolantes e mostrou seu lado maluco. Gostou do texto e finalmente postou algo no seu blog, cujo nome é um trocadilho imperdoável com o do próprio autor. Satisfez a angustia de milhões e milhões de pedidos. Do seu senso de responsabilidade, do seu ego, do seu instinto criativo e, principalmente, do seu maior bálsamo, o nonsense. 

Porque escrever sobre o fato de não saber o que, não é uma idéia digna de uma caprichada escovação dental.