terça-feira, 30 de novembro de 2010

Prazer em andar de avião

Sobrevoando o Atlântico (ao fundo, a linha do Equador - viste?) 

“Olha, pai! Tudo isso é o aeroporto?”

“Não filho, isso é a cidade”.

“Nossa pai! Tão pequenininha!”.

Enquanto chutava o encosto da minha poltrona com suas pernas curtas, mas inquietas, o garotinho de talvez 4 anos deleitava-se com o rápido vôo entre São Paulo e Curitiba. Era quase meia-noite, o avião atrasara somente uma hora e 40 minutos e o ser vivo atrás de mim continuava eufórico.

Mal percebeu a decolagem, tampouco o pouso. Quando eu ainda agradecia aos céus por mais uma aterrissagem bem feita – a última de três, em apenas 16 horas – o rapazinho sonhava acordado:

- Já estou com saudades da minha cama! Pai, quando vamos voltar? Pai, já chegamos? Pai, porque o avião não está parando?

Um dos sonhos de cada criança, depois que descobre para que serve, é “andar” de avião.

Doces sonhos cândidos de infância.

“Atenção passageiros do vôo 3335, com destino a Curitiba. Por problemas técnicos no avião, seu embarque foi transferido para as 23h, podendo ser prorrogado ou adiantado”.

É tudo o que se quer ouvir de um auto-falante fanho (sim! fhhhh-a-n-h-o!!!), às 22h30 de um dia que começou 19 horas atrás na Alemanha, com escala em Amsterdã, e vôo de quase 12 horas até São Paulo.

Quem conhece o portão “1 ABC” de Guarulhos, sabe do que estou falando. Imagine uma rodoviária. Agora imagine uma rodoviária lotada. Agora imagine essa rodoviária lotada e sem lugares para sentar. Então imagine uma sardinha passando por você, desgraçadamente irônica: “Tchau, vou voltar para a minha lata, que é muito mais confortável”. Imaginou? Tirando a tirada da sardinha, nem precisei imaginar.

Irônico foi sentir vontade de sentar, após o dia inteiro num avião. Ah, que saudades daquele maldito planador. Meus pensamentos decolaram rumo ao Boeing 777-200 da KLM.

Quem nunca voou KLM, faça-o por alguns vários motivos, mas principalmente um: a comida. “Mas comida de avião é pior que de hospital! Enche, mas não satisfaz!”. Vírgula. Se a comparação for entre voar de Gol e estar internado pelo SUS, confere...

Logo depois da decolagem, o serviço de bordo jogou “panos quentes” sobre o medo dos passageiros. Digo, distribuiu aqueles lenços incandescentes para tomarmos banho de gato (depois deveriam passar com aquelas gases para tratamento de queimaduras).

Então começou o menu: Primeiro, amendoins como aperitivo. Segundo, o almoço com uma espécie de estrogonofe, um tipo de purê, um exemplar desconhecido de salada de repolho roxo doce, salada de fruta e pudim de baunilha. Depois, café ou chá. Após duas horas, suco de laranja ou água. Depois de duas horas, café ou chá. Faltando duas horas para o pouso (e já estamos na 6ª refeição), o jantar/lanche da tarde com pizza, protótipo de salada, misto de salada de fruta e projeto de pudim (tudo muito bom, aliás). Depois, café ou chá (não recomendo o café holandês). E, a uma hora do pouso, para relaxar, escolha entre um potezinho de sorvete e salgadinho “doritos”. Por fim, mais água para quem quisesse.

Só. E tudo na classe econômica. Dizem as más línguas que a primeira classe tem toalete especial para evacuação em massa (e carne)!

Quem já atravessou o oceano de TAM sabe qual a diferença. Não é assim como a GOL que te deixa morrer de fome em um vôo de 40 minutos, mas...

Agrega-se ainda a gentileza e fineza dos holandeses, a paisagem deslumbrante de Amsterdã (e arredores submersos) e uma inacreditável capacidade de pouso que chega a ser broxante de tão perfeita (talvez tenha a ver com o sistema do trem de pouso, talvez com o trem das asas, ou então é o trem entre o manche e a poltrona mesmo).

Claro que há um porém. Seriados como Mister Bean e Friends legendados em holandês é um desafio para a imaginação. Bem como entender o holandês: é como se um alemão, com três batatas quentes na boca, falasse inglês, mas com sotaque francês! Sério, por exemplo: fumar é smoke em inglês e rauchen em alemão e vira rooken em holandês. Isso que dá andar de sapato de madeira dentro de moinhos de vento abaixo do nível do mar...

De repente, sou furtado do devaneio quando uma voz familiar anuncia, como se tivesse uma piranha de cabelo no nariz, a língua presa do Lula e a voz estridente do Danilo Gentilli: “Atenção passageiros do vôo 3335, com destino a Curitiba. Seu embarque é imediato no portão 1B”.

Sentado na poltrona (sempre na janela) do avião, sonhei novamente com o protótipo de estrogonofe e degustei valentes chutes do garotinho nas minhas costas.

“Pai, por que o avião não está voando?”

“Porque eles ainda estão esperando todo mundo entrar”

“Ah, pai! Está demorando!”

Cândido sonho doce de infância. E quem não gosta de “andar” de avião? 

Amsterdã ao amanhecer (Foto: Klaus Pettinger)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Granizo em Entre Rios

Segunda-feira, 15 de novembro de 2010, 20hs, horário de Berlin. Deitado na cama de um hotel aconchegantemente aquecido, faz 2oC lá fora, o brasileiro-alemão na Alemanha recebe duas mensagens no MSN.

“Dae Klaus, beleza? Como estão as coisas por aí? Soube da tempestade que deu em Entre Rios?”

“Fala rapaz. Quando vai escrever no blog sobre a chuva de granizo na colônia?”

Apressado para o jantar, o mal-educado brasileiro-alemão na Alemanha nem respondeu aos dois amigos curiosos. “Ué, mas o WinterShow já passou...”, pensou, displicente.

Poucas horas depois, as primeiras fotos explicam a empolgação dos estimados amigos guarapuavanos. Mas a repercussão dos fatos trouxe consigo um sentimento estranho: “Pôxa vida, viajo para o destino mais importante do ano, no norte da Alemanha, sinto um frio desgraçado do inverno e então ocorre o fenômeno natural nunca antes visto pela humanidade. E nem pelos alemães-brasileiros da colônia”, desabafa o flagelado às avessas.

No dia seguinte, fotos e fatos tornaram-se por si só épicos e inimagináveis. Imagens inacreditáveis, inenarráveis, incomporáveis, imensuráveis, insuperáveis e in, digo, encantadoras pipocam  nas atualizações do Orkut. A “Pequena Europa”, como gostam de dizer os turistas, finalmente gozou de um dia de “nevasca”, há um mês do início do verão. Relatos perplexos de moradores roteirizam a trama que nem James Cameron produziria, mesmo em 3D. 

“Granizou” ou "pedregulhou" ou "caiu o sul do mundo" (o que menos importa é o adjetivo inventado) por cerca de 50 minutos ininterruptos. O acúmulo de gelo chegou a 50cm de altura, ou mais. Os carros atolaram sob o asfalto congelado (depois da chuva, a culpa pela má conservação das ruas de Entre Rios agora é... o granizo, claro! Nada a ver com administração pública. Que caia chuva de pedra por uma hora, só sobre a minha colônia, se eu estiver errado!).

Fez-se “boneco de gelo” em frente ao jardim de infância. À meia-noite, ou seja, 7 horas após o fenômeno, o gelo semi-derretido congelou-se agora em terra, formando uma gigantesca pista de patinação sem limites. No dia seguinte, ou seja, 24 horas após o ocorrido ainda jaziam agonizavam pedaços de gelo ainda não derretidos sobre os jardins desolados das casas atingidas.

É algo tão incrível, tão inacreditável, tão superlativo que só uma junção de fatores improváveis poderia tê-lo provocado. Com a voz, o sistema de meteorologia: “Trata-se de uma junção improvável de fatores, que, juntos, causaram o fenômeno incrível, inacreditável, pois, superlativo”. Essa foi a fala sempre esclarecedora de um meteorologista.
Com a voz, o furo de reportagem deste blog. “Entre os fatores, estão, claro, a condensação de vapor d`água, que transformou se em gelo e, pela força da gravidade, caiu por terra, atingindo o que havia neste trajeto vertical iniciado no céu e finado no chão”, diz o Blogueiro, mesmo sem ajuda do meteorologista.

“Outro fator determinante foi a ausência do supracitado brasileiro-alemão, hoje na Alemanha. Dotado de muito calor humano, sua presença poderia ter causado o equilíbrio necessário que teria evitado o fenômeno”, concluiu o sensato Blogueiro, sem mesmo consultar o Google ou sua modéstia.

Fato é que, nem o “homem mordendo o cachorro” (jargão jornalístico. Jargão = calão = gíria) teria proporções tão invejosamente fantásticos. Invejosamente porque o brasileiro-alemão estava desgraçadamente na Alemanha e não tirou uma única foto do maior fenômeno climático de sua terra natal. 
Imagem da pesquina no Google


“Para quem não viu, roubei umas fotos do Orkut do terceiro amigo deste post (Fontes fidedignas. Quem vive sem?)”, informa o Blogueiro, inclusive ao dono das fotos, que não foi consultado previamente (valeu Fernando Martins, dono das belas fotos raptadas).
(Foto: Fernando Martins)
 (Foto: Fernando Martins) E eu achando que vivia "cenário europeu"
(Foto: Fernando Martins) Peso do granizo causou a queda do telhado no posto de combustível
Incluo ainda dois vídeos da repercussão nacional (não vi nada sobre na Alemanha) do enorme fenômeno que também encalhou, tal qual um certo atacante.

Clique aqui (video da GloboNews), aqui (vídeo de outro jornal da RPC/Globo) e/ou aqui (vídeo amador, porém impressionante, com várias imagens pós-fenômeno - tudo absolutamente inacreditável para um morador).

Agora só falta mudar o nome do distrito: "Entre Rios das Pedras" é minha sugestão.