domingo, 29 de julho de 2012

Tempestade


FOTO: KLAUS PETTINGER
O que faz alguém gostar de tempestade? Admirar uma „chuva de relâmpagos“? O que leva um ser humano a dormir melhor enquanto houver trovões rasgando a noite inquieta? É sua capacidade de enfrentamento do medo! Definitivamente, essa não seria a melhor resposta. Apenas uma vaga afirmativa para encerrar a sequência de perguntas.

Quando criança, o pequeno klaustrofóbico tinha lá seus medos. Não apenas o de lugares apertados, mas especialmente o de dormir no escuro. Não era culpa do bicho-papão, da Bruxa do 71 ou da raposa de pelúcia, com olhar angustiante, sentada na estante. Era o medo de não enxergar nada. Só e tudo isso. Fora cego em vidas passadas, já lhe sentenciaram. Por isso, o esse trauma atual. Definitivamente, também não seria essa a melhor resposta, pensou. Fato é que o medo apertava durante as tempestades infindáveis das madrugadas de inverno, quando tudo o que mais queria era fechar os olhos e voltar a sonhar com autoramas, figurinhas de futebol ou alguma história fabulosa contada pelos pais. Seu medo mais banal e ao mesmo tempo crucial: vai “acabar” a luz.

O problema não era ser acordado por um relâmpago seguido por um trovão de avassalar a alma onírica. O problema era ser acordado por um relâmpago seguido por um trovão de avassalar a alma onírica quando a casa inteira estivesse às escuras. E a casa realmente ficava em absoluta escuridão. Tudo bem, e as luzes da rua? Não as havia. A casa-ilha, rodeada por mato por todos os lados, mal tinha uma via pública. Agora, iluminação? Nenhuma. E como era comum faltar eletricidade pós-tormentas, àquela época, anos 80, na zona rural distrital! 

Acordar, no meio da noite, com uma trovoada, abrir os olhos e não enxergar nada era a fórmula para uma irremediável crise de pânico. Inúmeras vezes se pegara já na porta do quarto, para onde correra  inconscientemente. Afoito. Por quê? Não sabia. Até granizo ele comeu, certo dia. Diziam que fazia perder o medo da chuva. Mais fácil pegar cólera, à época. Próximos passos destinavam sempre o quarto da mãe, óbvio.

Vela acesa, coração acalmado. O perigo deixou de existir. O que poderia acontecer? A vela acabar? Difícil. De repente, a pior das tempestades passava a ser gostosa. Sentimento de alivio e segurança. Duas décadas depois, o “trauma” não mais lhe atormentava. Perdeu-se em algum momento da adolescência. 

Hoje, as dúvidas não são mais cruéis. Curiosas, apenas. Como pode o mesmo ser klaustrofóbico admirar tempestades noturnas e a sequência infinita de descargas elétricas que recortam o céu e clareiam a terra? Rapidamente, capturar essas pinturas naturais em fotografias virou obsessão. Acredita até que já entende as tempestades locais, concluiu que a melhor época para fotografá-las seja entre agosto e outubro. Na madrugada destes dias, dorme menos. Para assistir seu medo de infância passar, retornar, realizar suas danças circulares sobre a região da sua casa e, finalmente, sumir. O perigo deixou de existir.

É quando a chuva começa a cair. Forte. Para ele, enfim, dormir tranquilo. 

Foto: Klaus Pettinger