segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Das tripas coração: o jogo do “dobra dois”

Gênero: Auto-Ajuda à Auto-Ajuda
Classificação: imprópria para qualquer idade

Preço: impagável... Para todos os outros gêneros, basta uma vez o mastercard

(Segue abaixo um conto inédito, que relata a emocionante história de um ex-estagiário de carpinteiro que vira médico, reconhecido mundialmente. É também a primeira experiência (mal-sucedida) com  o gênero de "auto-ajuda" deste blog, mas Pablo Rabit certamente assinaria embaixo, do lado, em cima, onde houvesse cenoura).

Há muitos e muitos anos, em uma galáxia muito, muito distante, existia outro Planeta Terra. Nele viviam as mesmas lesmas, as mesmas pessoas, os mesmos animais, as mesmas plantas e, principalmente, os mesmos problemas da Terra situada à Via Láctea Nestle. Naquele planeta Azul, o cotidiano também era presente e as necessidades, futuras. Em uma vila, muito, muito distante, havia uma pequena empresa de carpintaria. O mestre carpinteiro, que aqui chamamos de empresário, era uma pessoa humana muito exigente (ou seja, um chefe). O aprendiz carpinteiro, que por estas bandas chamamos de estagiário estrupiado, era um rapaz muito obediente e dedicado (ou seja, um explorado pelo chefe).

Certo dia, a noite já se aproximava e, com ela, o por do sol. Quando o pequeno aprendiz acreditava já estar terminando seu expediente, eis que o chefe explorador lhe impôs uma árdua tarefa: concluir um armário gigante, do tamanho de três armários menores, para que fosse entregue antes do amanhecer ao prefeito, que por aqui chamamos de manda-chuva filho de uma égua.

Desolado, o estagiário carpinteiro argumentou que precisava ir para casa, pois tinha prova na faculdade, à noite. O chefe empresário então perguntou o que ele cursava, ao que o estrupiado aprendiz respondeu: “Meu pai nunca teve a oportunidade de estudar, tentou de tudo, até fazer das tripas coração, mas foi mal-sucedido e acabou falecendo. Por isso, estou cursando Medicina e descobrirei como fazer das tripas coração, sem morrer, para ganhar o Nobel de Medicina”.

Com lágrimas de crocodilo nos olhos, o chefe reconheceu o esforço do garoto. Era realmente um cara fora de série, o menino. Num surto de bondade, reconsiderou: “Tudo bem, imagino o quanto a faculdade é importante para você, portanto vou te pagar hora-extra, só por ficar a noite inteira trabalhando. E, por favor, nem precisa agradecer”. E lhe entregou uma nota de R$ 10,00.

O aprendiz considerou real a hipótese de acertar o martelo, que empunhava na mão direita, exatamente na nuca do chefe. Mas também reconsiderou. Pensou: “Meu pai jamais faria isso, ele faria das tripas coração”. Então, como um bom estagiário, fez o que lhe era pedido. Varou a noite serrando, pregando, lixando, esculpindo, pintando, envernizando, não necessariamente nesta ordem.

Quando o galo cantou pela primeira vez, estava pronto o armário do prefeito. Imponente e impressionantemente dentro do quadro. Como de costume, o chefe chegou atrasado ao gabinete. Quando finalmente adentrou o seu escritório, viu a nota de venda do armário sobre a mesa. Furioso, correu em direção ao maldito estagiário. “O que significa isso? Você vendou o armário do prefeito?”. Gago, o aprendiz tentou se explicar. “Vendi, sim, senhor. O senhor pode observar que a venda foi efetuada com sucesso, em dez vezes, sem....”. “O que? Você vendeu o armário caríssimo do prefeito e ainda parcelou em dez vezes?! Vou te picotar em dez vezes com serrote de tico-tico, seu moleque!”.

Sem mais, o estúpido chefe demitiu sumariamente o estagiário, que havia vendido o armário para a senhora Esmeringilda, da bodega em frente à carpintaria. Não cabia na cabeça do ilustre empresário o fato de o estagiário ter trabalhado a noite inteira para, depois, simplesmente vender o armário. E com qual permissão? E com que direito? O indignado chefe não entendia, não compreendia... Enquanto xingava com porcas e parafusos, apareceu um oficial de Justiça à sua frente. “Senhor, vim trazer-lhe esta ordem de despejo por falta de pagamento do aluguel e da conta de água”. Impávido, o outrora colosso chefe sentiu desmoronar sua grandeza por dentro. “Mas como? Eu paguei tudo o que devia”. “Desculpe senhor, ainda lhe faltam R$ 3.000,00”. “Tudo isso? É o valor de um armário enorme, do tamanho de três armários menores!”. “Sinto muito. O senhor tem dois dias. Se não pagar a dívida...”. O oficial se foi, sem completar a frase.

Aturdido, o chefe meia-boca juntou os cacos de sua faceta esfacelada e dirigiu-se, esquálido, até o porão imundo, que chama de escritório. Ao ligar a luz, levou um susto. Primeiro, pensou estar delirando. Depois, teve certeza. E por fim, abraçou seu delírio real: “Mas como pode? Um armário novo? Novinho? Prontinho para venda?”.

Segundos depois, o prefeito entra na sala. “Vim buscar minha preciosidade... É essa aqui?”, perguntou, apontando para o reluzente armário gigante, do tamanho de três menores. “Que beleza, hein? O senhor se superou, desta vez! Vou pegar desta verba da merenda escolar e te pagar à vista!”. O chefe não sabia o que pensar. Apenas agradeceu os R$ 3.500,00 pagos pelo prefeito. Ainda trêmulo, pegou seu celular e digitou os números do telefone móvel do estagiário. “Como você fez isso, moleque?”.

O estagiário estrupiado, aprendiz de carpinteiro, contou que quando era pequeno, seu pai havia lhe ensinado o truque do “dobra dois”. Era simples: “Se alguém te promete 1 Real para fazer alguma coisa, mas se essa coisa valeria o pagamento de 2 Reais, faça tão bem feito, para que valha 4 Reais. Foi o que eu fiz. Não que meu trabalho valesse tanto, mas...”. “Mas, nada! Venha aqui no escritório rapaz, preciso te pagar o que estou te devendo e ainda quero te contratar como meu sócio”. Mesmo sem entender muito bem como alguém pode “contratar” um sócio, o aprendiz foi correndo reconquistar seu emprego.

Chegando lá, o chefe apresentou a proposta: “A partir de hoje, você passa de aprendiz para sócio minoritário dessa empresa. De tudo que produzir, ficarás com 1%, descontado o imposto de renda retido em fonte, claro. Ah, e aqui está a parte que te cabe desta trabalheira toda, rapaz. Toma que é tudo seu”. E o empresário lhe pagou os R$ 30,00 que lhe faltavam e ainda pediu para que fosse à bodega da frente comprar uma cerveja para ele e, se o estagiário pagasse, poderia comprar uma coca, ou algo do gênero.

Semanas depois, a empresa faliu. Anos depois, o estagiário se formou. Décadas depois, ele virou capa de uma importante revista internacional, dedicada à publicação de grandes descobertas da Medicina. Lia-se na capa: “Ex-estagiário de carpinteiro, formado com louvor na Federal de Viçosa, morre durante tentativa de fazer das próprias tripas um coração. Temos a honra de relatar a história... Dele, cujo nome não foi revelado para evitar constrangimentos à família”. E, ao lado da chamada, um carimbo em letras vermelhas sentenciava: “Comprovado: metáforas não são cientificamente comprováveis”.

FIM.

Moral da "história" 1: o blog adianta que divertiu-se muito com esse negócio de escrever auto-ajuda. Parece ser tão fácil quanto ler um livro do gênero (e é muito mais lúdico).
Moral da “história” 2:  o blog conclui que está "perdendo de ganhar dinheiro", ao não contratar um estagiário qualquer para escrever essas coisas chamadas "textos de auto-ajuda". Contrato estagiários (pode ter nome ambíguo com mamíferos comedores de cenouras).
Moral da “história”3: o blog não tem a pretensão, somente a ambição de inventar o "auto-ajuda trocadilhex 1.0".
Moral da “história”3,5: gêneros literários à parte, tadinho do estagiário... Até para servir de crítica a alguma coisa, acaba sendo explorado.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Então é Natal e de mensagem chata também...

Natal é tempo de paz e alegria
E também de alguma hipocrisia
Pois recebemos mensagens de estranhos
Que agora mandam recados enfadonhos
Mas ao vivo não nos dão sequer bom dia

Natal é tempo de cultivar novas amizades
Certamente esse é meu maior engano
Devo amar a todos que me dizem verdades
Mas também os puxa-sacos com desejos profanos

Agradeço cada mensagem recebida
De quem me incluiu numa lista do Orkut
Seja da mais pura ou daquela melosidade descabida
Enviada por quem na verdade te vê como mamute

Tá, tudo bem, no Orkut minha foto é mais bonita
Não pareço ter engordado tanto quanto a antiga Chiquitita
Mas também não significa que preciso do seu carinho
Só deixe-me em paz e não me venha tocar o sininho
Como se fosse Papai Noel de shopping pousando pra fotinho

Natal é tempo do que mesmo? De amor e paz?
Mas preferiria que fosse assim o ano inteiro
Não traz alegria mensagem de gente incapaz
De demonstrar respeito de fevereiro a fevereiro

A mesma gente te julga “digno” de receber, eletronicamente
Mensagens impessoais “do fundo do seu coração”
Copiados da net, colados num cartão economicamente
Que pede apenas seu nome e o clique de um botão

Não recebo um abraço, felicidades ou agradecimento
O scrap mais parece um juramento de médico
Longo, chato, insosso, feito para qualquer evento
Recebido e deletado da minha vida com a mesma alegria
De uma fatura atrasada do meu cartão de crédito

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sou Guarapuava, com muito orgulho!



Qual o tamanho do amor de uma torcida por seu time?

Um “troféu joinha” a quem inventar um aferidor deste sentimento, pois da mesma forma como seria a maior façanha da humanidade, também não deixaria de ser a coisa mais inútil de todos os tempos...

Ora, será que o amor por um time pode ser medido pela quantidade de apaixonados?
Em qualquer lugar, sim, pode.

O amor por um time pode ser medido pela fidelidade desses apaixonados?
Em qualquer lugar, e, principalmente, em Guarapuava, sim, pode.
2009 - Primeira vitória sobre Pato Branco na Chave Ouro (Foto: Klaus Pettinger)
O amor por uma equipe pode ser medido pela mobilização em torno de um objetivo comum?
Em Guarapuava, claro, sempre pode.

Mosaico na Final (Foto: Marcio Santos)

União de forças única (Foto: Marcio Santos)

O amor por esse esquadrão pode ser medido pelo(s) guerreiro(s) que se doou (doaram) eternamente por essa camisa?
Só em Guarapuava, aqui sim, pode.

Homenagem ao Guerreiro, morto em maço, defendendo as cores de Guarapuava (Foto: Marcio Santos)

O amor por esse quinteto (mais um) pode ser medido em decibéis?
Em Guarapuava? Ah, em Guarapuava, pode! E como pode!

O amor por esse símbolo pode ser medido pela freqüência com que arrepios sucedem uma simples lembrança daquele jogo, daquele lance, daquele grito de gol inesquecível?
Sim, mas não há outro lugar em que se possa.
Neto comemora 5o. gol a menos de 1min do fim (Foto: Marcio Santos)
O amor por esse quinteto (mais mil!) de guerreiros, que já têm o Joaquinzão como morada, é de alguma forma mensurável?
Até o Joaquinzão cala. Não há resposta.

Pois o amor por essa bandeira, vermelha e branca, flamulando ao som do orgulho e do amor guarapuavano é imensurável!
E o é, tão somente, em Guarapuava.

(Foto: Marcio Santos)
 Três letras, uma só paixão. Clube Atlético Deportivo, CAD! O “IF” eterno, o Guarapuava eterno, o Guerreiro, nosso Robson 18, eterno! 

Torcida reconhece a luta de cada jogador (Foto: Marcio Santos)

CAD: um luto, uma só luta: pelo inédito título do Campeonato Paranaense de Futsal Chave Ouro 2010.

E a resposta, há-la? Sim, há resposta!

O amor da mais apaixonada torcida de futsal do Brasil pode ser medido pelo que ela diz, pelo que mostra, pelo que gesticula, grita, berra, chora e, no final, sorri aliviada, de alma lavada, de cabeça erguida, de bandeira erguida, de punho erguido, de coro ensaiado, de choro ensaiado, de grito de guerra, a uma só voz, em três mil vozes, pois o amor dessa louca torcida é por Guarapuava, com muito orgulho, com muito amor!

Euforia da torcida ao apito final na vitória de virada por 5 a 4 (Foto: Marcio Santos)


Dedicado à apaixonadíssima torcida guarapuavana.

Exagero?
Pois veja isso, depois isso, aí issoisso e isso. E me diz?

P.S.: Os 3.ooo ingressos colocados à venda esgotaram-se em menos de 24 horas!!!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"Hundert anos Solidkeit" ou "Cem Jahre Einsadão"

Ao terminar, no ano passado, a leitura da última página de “Cem Ano de Solidão” (do genial Gabriel García Márquez), tive duas certezas sobre o livro: a) ele é literal e literariamente fantástico, e b) preciso lê-lo de novo.

Como numa álgebra perfeita de quem prefere as letras aos números, decidi experimentar, literal e matematicamente, por a + b, novamente o sabor surreal desse clássico.

Como objetivos vagos possuem dedicação vaga, resolvi ler o mesmo livro, com a mesma história, do mesmo autor, mas em outra língua: a alemã. Tal qual fizeram com José Arcadio Buendía (que decepção, mas não traduziram os nomes dos personagens para o Deutsch!), podem taxar-me de lunático, mas a experiência é interessante.


Mesmo não compreendendo 100% das palavras (nem Goethe entendia...), acabei entendendo outras que a tradução para o português dificultou.


Quanto li até agora? Incríveis 32 páginas, mas, calma. É alemão, meu Freund (Freund - amigo -, não Freud)! E como bem sabe o Bope, alemão é complexo...


A tradução, contudo, é de tal maneira perfeita que é mais agradável (e até fácil) ler Hundert Jahre Einsamkeit (a tradução do título) do que ler “Meteor”, a versão alemã do tal “Ponto de Impacto”, de Dan Brown.


Abaixo uma comparação de um trecho fabuloso (como sempre, literalmente) do livro em português e em alemão. A perfeição da tradução é tamanha que parece ter sido traduzido do português para o alemão (o que suponho, e espero, não ser o caso).


Cem anos de solidão

"Quando acordaram, já com o sol alto, ficaram pasmos de fascinação. Diante deles, rodeado de fetos e palmeiras, branco e empoeirado na silenciosa luz da manhã, estava um enorme galeão espanhol. Ligeiramente inclinado para estibordo, de sua mastreação intacta penduravam-se os fiapos esquálidos do velame, entre a enxárcia enfeitada de orquídeas. O casco, coberto por uma lisa couraça de caracas e musgo tenro, estava firmemente encravado em num chão de pedras...".

Hunder Jahre Einsamkeit
“Als sie bei hohem Sonnenstand erwachten, waren sie starr vor Staunen. Dicht vor ihnen, umwachsen von Farnen und Palmen, weiss und staubig im stillen Morgenlicht, lag eine riesige spanische Galeone. Sie war leicht nach Steuerbord geneigt, von ihren ungebrochenen Masten hing zwischen den orchideengeschmünkten Takelage das schmutzige Segelwerk. Der mit einem glatten Panzer aus versteinerten Saugfischen und weichen Moos überzogene Rumpf war fest in einen Steinboden gepflanzt...“

Logica e surpreendentemente, a versão alemã é um tanto mais comprida, mas até que não muito.


Estragando um pouco o espírito nerd-intelectual desse post, fiz outra comparação.


De duas situações muito comuns no cotidiano: o atendimento em um restaurante (qualquer um, fino, rotineiro ou bar) no Brasil e o mesmo atendimento, na Alemanha.


No Brasil, o garçom chega e pergunta, cordialmente sorridente:


- Boa noite. E então, já decidiu?
- Sim, me vê por favor um Schnitzel, com batatas fritas e salada.
- Pois não, e para beber?
- Uma coca, por favor. 

Na Alemanha, o garçom chega e pergunta cordialmente... cordial (versão traduzida seguida do original):


- Boa noite. O que posso servir/oferecer ao senhor hoje?
(Guten Abend. Was darf ich Ihnen heute anbieten?)
- Eu gostaria de (ou: eu estaria querendo) receber um Schnitzel, com batatas fritas e salada, por favor. (Ich würde gerne einen Schnitzel, mit Pomes und Salad haben, bitte.)
- Com gosto. E o que seria (ou: poderia ser) para beber? (Gerne. Und was darf es zum drinken sein?)
- Eu gostaria de receber um Coca, por favor. (Ich hätte gerne eine Cola, bitte.)

Não é aula de alemão, não. Frases completas, cordialidade à flor da pele e, da mesma forma, um atendimento excelente. Esses alemães... 


Como dizia um deles, um bem mediano, por sinal: "Quem não conhece líguas estrangeiras, não sabe nada da própria", Johann Wolfgang von Goethe.