quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Serial Killer

Diariamente a mesma sensação. Ou melhor. Toda noite. Não há horário fixo, nada previamente estabelecido. Mas ao deitar a cabeça no travesseiro, já sei que serei acordado para cumprir minha missão. Antes mesmo do alvorecer. Meu psiquiatra preferido, aquele que ainda vive, diz para eu me ater aos fatos. “Não se deixe levar pelo impulso. Beba um copo d’água e volte para a cama”. Não bebo água. Mas tenho sede de vingança. Toda santa noite. E sempre o mesmo epílogo.

Geralmente acontece por volta das 3h. A TV antiga de tubo do meu quarto, ligada até antes de me deitar, estala como um tiro, ao resfriar com a brisa das montanhas. É o estopim para mais um martírio. Entre a aflição e o desejo, levo adiante mais uma perseguição. É chegada a hora de encontrar a próxima vitima.

Não vou longe. A noite fria desmotiva até o mais ardente matador. Mesmo com o clima ameno, elas estão ali. Como se em um desejo inconsciente de serem atacadas e serem saciadas pelo prazer do sofrimento. Geralmente é jogo rápido. Ele ou ela (tampouco me preocupo em diferenciá-los), até tenta escapar, mas não resiste ao golpe único. Anos de uma vida infernal me brindaram com uma precisão cirúrgica. O golpe frio ecoa pelas sombras noturnas enquanto me delicio com a visão daquele corpo imóvel. Amassado.

Religiosamente recito o mantra póstumo: “Sangue do meu sangue. Ninguém pediu para você cruzar o meu caminho. Agora siga o seu, em outro plano. Longe de mim. Longe dos meus pensamentos. Longe dos meus sentidos”.

Lavo as minhas mãos. Literal e metaforicamente. Volto para a cama. Realizado. Certo de que não existe prazer maior do que acabar com a raça daquele pernilongo filho da p... .


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Brasil x Alemanha: maldição do anfitrião, salve a Seleção





Não se trata de jogar praga. Nem brincar com a estatística a favor do Brasil ou contra a Alemanha. Justo agora, a poucas horas do embate decisivo entre ambos. Mas alguns dados sobre a história das Copas do Mundo são curiosos. Dois fatores garantiram 68,8% dos campeões das últimas 19 edições: ser o anfitrião de um Mundial ou vencer os donos da casa durante a campanha, com representatividade de 37 e 31,5% das vezes, respectivamente. Ou seja, em 7 das 19 Copas, o país-sede levou o título, enquanto que em outras 6 oportunidades, o campeão venceu o anfitrião.

Ocorre que uma espécie de “maldição” paira sobre a Alemanha quando se aproxima das finais. Com sete decisões mundiais e três títulos no currículo, os alemães perderam três das outras quatro finais em torneios nos quais eliminaram o país-sede. Em 1966, única oportunidade na qual poderiam levar o caneco vencendo os anfitriões, perderam para a Inglaterra com um “no goal” na prorrogação. Em 1982 venceram os espanhóis, donos da casa, na segunda fase (e perderam a final para a Itália), em 1986 eliminaram o México (e foram derrotados pela Argentina na decisão – mesmo destino da Itália que eliminou os mexicanos em 1970 e perdeu para o Brasil em Guadalajara). Em 2002, a Alemanha passou pela Coréia do Sul nas semifinais e... penta para o Brasil! Sempre quando foi campeã, 1954, 1974 e 1990, o chucrute passou ao largo dos países-sede. Em caso contrário, azedava

OK, mas estatística não entra em campo.

- Espera lá! Vocês estão esquecendo de um dado importante. Desde 1930, no Uruguai, as estatísticas são mencionadas em 98,76% das transmissões de jogos! – argumentaria, certamente, o craque Paulo Vinícius Coelho, da ESPN, se conhecesse esse blog e existisse tal levantamento.

Tudo é uma questão de ponto de vista. Se juntarmos todas as estatísticas, o fato de vencer o anfitrião ou o de ser país-sede garantiu vaga na final em 89,5% das Copas disputadas até hoje. Mas do total, em 21% das oportunidades, ou 4 em 19, quem venceu o anfitrião terminou com o vice-campeonato. Além da Alemanha, apenas Itália (em 1970, conforme posto antes) e a Argentina experimentaram a mesma sensação: esta, justamente em 1990, quando eliminou os italianos, em Nápoles, nas semifinais, e foi superada pela Alemanha, em Roma. Mas, alto lá, não seriam, então, 5 em 19? A Copa de 2002 contou com duas sedes, ferrando com todas as estatísticas. Mais sobre isso, à frente.

Já o Brasil conquistou três dos seus cinco títulos mundiais ao superar o país-sede pelo caminho. Em 1958, bateu a Suécia na final. Em 1962 eliminou os chilenos nas semi. E em 1994 passou pelos EUA, nas oitavas. Em 2002, venceu a Turquia nas semifinais – os turcos que haviam despachado o Japão nas oitavas. Nos outros dois títulos, em 1970 e em 2002, fomos “favorecidos” pelo fato de os vices terem se “auto-amaldiçoado” ao vencerem os respectivos anfitriões.

Por sinal, o Brasil já viveu os dois lados da moeda. Ao perder a final de 1950 em casa, fato que ocorreu apenas duas vezes na história, e foi se repetir curiosamente em 1958, quando a Seleção Canarinho superou os suecos.

Conta a favor da Alemanha, nesta terça-feira histórica, dia 8 de julho de 2014, apenas uma outra (frágil) estatística: todos os tretracampeões mundiais demoraram 24 anos, desde o tricampeonato, para chegar ao seleto nível. O Brasil entre 1970 e 1994 e a Itália entre 1982 e 2006. O tri alemão foi conquistado há exatos 24 anos. Contra a Argentina. Mas, à época, os hermanos eram os “amaldiçoados” da vez.

Em 2014, a grande chance da Seleção Brasileira, diante dos contundentes desfalques, é a de poder vencer e superar o anfitrião, ou seja, a si mesma. Assim como fizeram Uruguai, em 30, Itália, em 34, Inglaterra, em 66, Alemanha, em 74, Argentina, em 78, e França em 98. Pois, caso contrário, ainda corremos o risco de a Argentina superar a Alemanha. Até porque, nunca antes na história das Copas a Europa levou três títulos seguidos. Um alento para os sul-americanos. Aos que falam português, espera-se.

Por Neymar, pelo povo brasileiro, pelo muito orgulho e pelas Santas Estatísticas: Vai Brasil!

Confira abaixo o histórico dos anfitriões e o caminho dos campeões:

1930: País-sede: Uruguai. Campeão: Uruguai.

1934: País-sede: Itália. Campeã: Itália.

1938: País-sede: França. Campeã: Itália, venceu a França nas quartas-de-final (3x1).

1950: País-sede: pula essa.

1954: País-sede: Suíça. Campeã: Alemanha. Suíça eliminada pela Áustria nas quartas, posteriormente vencida pela Alemanha Ocidental, nas semifinais.

1958: País-sede: Suécia. Campeão: Brasil, batendo a Suécia, na final, por 5x2.

1962: País-sede: Chile. Campeão: Brasil, vencendo o Chile, por 4x2, nas semifinais.

1966: País-sede: Inglaterra. Campeã: Inglaterra.

1970: País-sede: México. Campeão: Brasil. A Itália venceu o México por 4x1 nas quartas e perdeu para o Brasil pelo mesmo placar na final.

1974: País-sede: Alemanha. Campeã: Alemanha.

1978: País-sede: Argentina. Campeã: Corrupção.

1982: País-sede: Espanha. Campeã: Itália. A Alemanha venceu a Espanha na 2a fase, mas perdeu a final para a Itália.

1986: País-sede: México. Campeã: Argentina. Adivinha? A Alemanha venceu o México nas quartas (nos pênaltis) e perdeu para a Argentina na final.

1990: País-sede: Itália. Campeã: Alemanha. Maldição devolvida: Argentina eliminou a anfitriã e perdeu para a Alemanha na final.

1994: País-sede: EUA. Campeão: Brasil, que ganhou dos EUA por 1x0 em pleno Independence Day (4 de julho, grito do Ipiranga, por: Bebeto).

1998: País-sede: França. Campeã: Nike.

2002: Países sede: Japão e Coréia do Sul. Campeão: Penta Brasil! A Turquia eliminou o Japão e foi eliminada pelo Brasil. A Alemanha, veja só: eliminou a Coréia do Sul e perdeu a final.

2006: País sede: Alemanha. Campeão: Materazzi. A Itália eliminou a Alemanha nas semifinais, com dois gols nos últimos dois minutos. Das tut weh!!!

2010: País-sede: África do Sul. Campeã: Espanha. A África do Sul é a primeira seleção de país-sede a não avançar para a 2a fase de Copa, sendo eliminada juntamente com a França na fase de grupos.

RESUMO:

Em 7 de 19 Copas, o campeão venceu o anfitrião e foi campeão: 37%
Em 6 de 19 Copas, o país-sede foi campeão: 31,5%
Em 4 de 19 Copas, o vice-campeão venceu o país-sede: 21% (Alemanha 3 vezes)
Em 1 de 19 Copas, o campeão venceu a seleção que havia eliminado o país-sede em fase anterior: 5,25%  (Alemanha, em 1954; o Brasil superou a Turquia que havia vencido o Japão, mas para fins estatísticos contabilizamos apenas um país-sede)
Em 1 de 19, o país-sede não teve contato com os finalistas: 5,25% (África do Sul).

Em 68,3% das Copas, o campeão ou era o país-sede ou venceu o anfitrião.
Em 98,5% das Copas, o finalista era o país-sede ou a seleção que venceu/eliminou o anfitrião.

Fontes estatísticas: Wikipédia. :)
Texto: Klaus Pettinger

sábado, 4 de janeiro de 2014

Quando ouvi Nietzsche chorar


Quando Dr. Josef Breuer perguntou a Friedrich Nietzsche quais haviam sido as três grandes traições da vida do filósofo, acionei a frenagem do meu carro antes de passar pela lombada que indicava o desvio pela marginal da BR-277, em função das obras de duplicação do trecho.

Nietzsche chorou, pela primeira vez, cerca de 10 quilômetros adiante.

A conversa franca entre Dr. Breuer e Nietzsche, no livro “Quando Nietzsche Chorou”, de Irvin D. Yalom, se passava em dezembro de 1882 – mais precisamente no dia 18 daquele mês. Adiantado toda vida, eu vivia aquele momento, todavia, na noite de Natal de 2013.

No meu dia seguinte, o doutor e o filósofo ainda estavam no mesmo momento, desvendando, desvelando e compartilhando profundas feridas psicológicas. Quando Nietzsche confessou que aquele choro havia sido o primeiro da sua vida, descia eu a reta da PR-170, sentido Entre Rios, a qual dava acesso à sequência de curvas da serra do “Cadeado”. Mesmo ponto no qual, dias antes, Nietzsche havia, inversamente, alertado e arrebatado um desalentado Breuer com a frase de que uma vida por demais segura era perigosa. Também por ali, mais um par de dias anteriores, em uma das curvas mais fechadas do trecho, Dr. Breuer havia negado à intransigente Lou Salomé detalhes sobre o encontro dele com o paciente e seu futuro médico da mente.

Ainda antes disso, exatamente no momento enquanto ultrapassava um comboio de caminhões, próximo ao mirante da Serra da Esperança, na BR-277, sentido Curitiba-Guarapuava, o amigo de Dr. Breuer, um jovem de 25 anos, aspirante às funções clínicas, chamado Sigmund Freud, havia sugerido o plano que culminaria no internamento de Nietzsche em uma clínica, onde, supunham, poderiam curar o filósofo dos seus “tormentos”.

Por fim, foi por volta das 22h50 do dia 25 de dezembro de 2013, que Nietzsche chorou pela segunda vez, ao me aproximar do trevo de acesso à colônia Samambaia. Na última vez em que o livro cita Zaratustra, havia acabado de passar pela segunda das três lombadas do acesso à Colônia Jordãozinho, precisamente às 23h do mesmo dia.

Quem já leu “Quando Nietzsche chorou”, deve ter reconhecido os trechos citados. Eu jamais o li, mas o achei fantástico. A obra do psicoterapeuta  Irvin D. Yalom é, simultaneamente, de uma densidade e de uma franqueza transcendentais. A história de dois gênios, cada qual em sua área, que de fato jamais se conheceram, mas reconhecidamente detentores de mentes perturbadas pelo que há de mais inexorável à psique humana, cunhou um encontro fictício com diálogos e trechos brilhantes.

Um áudiolivro que calhou perfeitamente para preencher o tempo ocioso de deslocamento dentro de um veículo. Aliás, é interessantíssimo perceber a associação que nossa mente traça entre fatos (tidos como) importantes captados pelos ouvidos e a visão daquele exato momento. Não são poucas as vezes em que lembranças de conversas travadas dentro de um carro são associadas pela memória ao trecho percorrido naquele lapso de tempo. O que, convenhamos, não é lá um fator de grande utilidade, a menos que se escreva um texto sobre determinado áudiolivro...

A quem nunca experimentou ou considera um sacrilégio contra o livro lido, eu garanto: não é a mesma coisa, mas em vozes como a de José Wilker, que, mais do que ler, interpretou vocalmente cada personagem, o áudiolivro é um alento para quem antes apenas se divertia cantando Legião Urbana sozinho no carro – que, por sinal, agradece imensamente a mudança de hábito.

P.S.: Atualmente, estou na metade do caminho entre o começo e o fim (que outra metade do caminho haveria?!) de outro livro magistral: “1822”, de Laurentino Gomes, e narrado por Pedro Bial. Curiosidade: o próprio autor lê a sua introdução ao áudiolivro. Outra curiosidade: em 1822, 90% da população brasileira era analfabeta. Fato revelado, também, veja só!, durante a subida pelo “Cadeado” - estaria ali a chave para a liberdade?