sábado, 9 de março de 2013

Sofisma


Era sábado quando a garota abriu os olhos e enxergou a claridade fria daquela tarde de maio. Havia dormido por três meses, pelo menos era o que sentia. Percebera então, que sentia, aliás, a felicidade de uma joaninha que acabara de escalar a roseira, antes gigante, e alcançara, entre espinhos e desequilíbrios, a flor prometida e cheirosa, no cume da sua ambição. Completude e medo, como se olhasse do Everest para o todo. Um ângulo sublime, da felicidade plena, do olhar a refletir, nas emergentes lágrimas de orgulho, a paisagem que sempre sonhara em vislumbrar. Ela continuava deitada em um jardim desconhecido, que lhe abrigou as angústias da noite anterior, quando os sonhos chegaram em forma de amor sem tessitura. Momentos entregues aos seus instintos mais puros, que a escuridão não permitira distinguir, mas que jamais haveriam de ser esquecidos, por um dia sequer, tatuados que foram aos seus sentidos. A gaivota a voar, e contrastar, no límpido céu azul, à concomitância do barulho das ondas, conotava uma proximidade maior do mar que o esperado pela garota. Permaneceu ali, esparramada nas espinhosas rosetas, sofismada pelas joaninhas, constipa pelo vento, a recitar silenciosa no ouvido dos próprios anseios, o quão bela é a vida, quando só, mas amparada, num azulado sábado de maio.