Quando Dr. Josef Breuer perguntou a Friedrich Nietzsche
quais haviam sido as três grandes traições da vida do filósofo, acionei a
frenagem do meu carro antes de passar pela lombada que indicava o desvio pela
marginal da BR-277, em função das obras de duplicação do trecho.
Nietzsche chorou, pela primeira vez, cerca de 10
quilômetros adiante.
A conversa franca entre Dr. Breuer e Nietzsche, no
livro “Quando Nietzsche Chorou”, de Irvin D. Yalom, se passava em dezembro de
1882 – mais precisamente no dia 18 daquele mês. Adiantado toda vida, eu vivia
aquele momento, todavia, na noite de Natal de 2013.
No meu dia seguinte, o doutor e o filósofo ainda
estavam no mesmo momento, desvendando, desvelando e compartilhando profundas
feridas psicológicas. Quando Nietzsche confessou que aquele choro havia sido o
primeiro da sua vida, descia eu a reta da PR-170, sentido Entre Rios, a qual
dava acesso à sequência de curvas da serra do “Cadeado”. Mesmo ponto no qual,
dias antes, Nietzsche havia, inversamente, alertado e arrebatado um desalentado
Breuer com a frase de que uma vida por demais segura era perigosa. Também por ali,
mais um par de dias anteriores, em uma das curvas mais fechadas do
trecho, Dr. Breuer havia negado à intransigente Lou Salomé detalhes sobre o
encontro dele com o paciente e seu futuro médico da mente.
Ainda antes disso, exatamente no momento enquanto
ultrapassava um comboio de caminhões, próximo ao mirante da Serra da Esperança,
na BR-277, sentido Curitiba-Guarapuava, o amigo de Dr. Breuer, um jovem de 25
anos, aspirante às funções clínicas, chamado Sigmund Freud, havia sugerido o
plano que culminaria no internamento de Nietzsche em uma clínica, onde,
supunham, poderiam curar o filósofo dos seus “tormentos”.
Por fim, foi por volta das 22h50 do dia 25 de dezembro
de 2013, que Nietzsche chorou pela segunda vez, ao me aproximar do trevo de
acesso à colônia Samambaia. Na última vez em que o livro cita Zaratustra, havia
acabado de passar pela segunda das três lombadas do acesso à Colônia Jordãozinho,
precisamente às 23h do mesmo dia.
Quem já leu “Quando Nietzsche chorou”, deve ter
reconhecido os trechos citados. Eu jamais o li, mas o achei fantástico. A obra do
psicoterapeuta Irvin D. Yalom é,
simultaneamente, de uma densidade e de uma franqueza transcendentais. A
história de dois gênios, cada qual em sua área, que de fato jamais se
conheceram, mas reconhecidamente detentores de mentes perturbadas pelo que há
de mais inexorável à psique humana, cunhou um encontro fictício com diálogos e
trechos brilhantes.
Um áudiolivro que calhou perfeitamente para preencher
o tempo ocioso de deslocamento dentro de um veículo. Aliás, é interessantíssimo perceber a associação que nossa mente traça entre fatos (tidos como) importantes captados pelos ouvidos e a visão daquele exato momento. Não são poucas as vezes em que lembranças de conversas travadas dentro de um carro são associadas pela memória ao trecho percorrido naquele lapso de tempo. O que, convenhamos, não é lá um fator de grande utilidade, a menos que se escreva um texto sobre determinado áudiolivro...
A quem nunca experimentou ou considera um sacrilégio contra o livro lido, eu garanto: não é a mesma coisa, mas em vozes como a de José Wilker, que, mais do que ler, interpretou vocalmente cada personagem, o áudiolivro é um alento para quem antes apenas se divertia cantando Legião Urbana sozinho no carro – que, por sinal, agradece imensamente a mudança de hábito.
A quem nunca experimentou ou considera um sacrilégio contra o livro lido, eu garanto: não é a mesma coisa, mas em vozes como a de José Wilker, que, mais do que ler, interpretou vocalmente cada personagem, o áudiolivro é um alento para quem antes apenas se divertia cantando Legião Urbana sozinho no carro – que, por sinal, agradece imensamente a mudança de hábito.
P.S.: Atualmente, estou na metade do caminho entre o
começo e o fim (que outra metade do caminho haveria?!) de outro livro magistral: “1822”, de Laurentino Gomes, e narrado
por Pedro Bial. Curiosidade: o próprio autor lê a sua introdução ao
áudiolivro. Outra curiosidade: em 1822, 90% da população brasileira era analfabeta.
Fato revelado, também, veja só!, durante a subida pelo “Cadeado” - estaria ali
a chave para a liberdade?