FOTO: KLAUS PETTINGER |
Quando criança, o
pequeno klaustrofóbico tinha lá seus medos. Não apenas o de lugares apertados,
mas especialmente o de dormir no escuro. Não era culpa do bicho-papão, da Bruxa
do 71 ou da raposa de pelúcia, com olhar angustiante, sentada na estante. Era o medo de
não enxergar nada. Só e tudo isso. Fora cego em vidas passadas, já lhe
sentenciaram. Por isso, o esse trauma atual. Definitivamente, também não
seria essa a melhor resposta, pensou. Fato é que o medo apertava durante as
tempestades infindáveis das madrugadas de inverno, quando tudo o que mais
queria era fechar os olhos e voltar a sonhar com autoramas, figurinhas de futebol ou
alguma história fabulosa contada pelos pais. Seu medo mais banal e ao mesmo
tempo crucial: vai “acabar” a luz.
O problema não era ser
acordado por um relâmpago seguido por um trovão de avassalar a alma onírica. O
problema era ser acordado por um relâmpago seguido por um trovão de avassalar a
alma onírica quando a casa inteira estivesse às escuras. E a casa realmente
ficava em absoluta escuridão. Tudo bem, e as luzes da rua? Não as havia. A
casa-ilha, rodeada por mato por todos os lados, mal tinha uma via pública.
Agora, iluminação? Nenhuma. E como era comum faltar eletricidade pós-tormentas,
àquela época, anos 80, na zona rural distrital!
Acordar, no meio da noite, com
uma trovoada, abrir os olhos e não enxergar nada era a fórmula para uma
irremediável crise de pânico. Inúmeras vezes se pegara já na porta do quarto,
para onde correra inconscientemente. Afoito. Por quê? Não sabia. Até granizo
ele comeu, certo dia. Diziam que fazia perder o medo da chuva. Mais fácil pegar
cólera, à época. Próximos passos destinavam sempre o quarto da mãe, óbvio.
Vela acesa, coração
acalmado. O perigo deixou de existir. O que poderia acontecer? A vela acabar?
Difícil. De repente, a pior das tempestades passava a ser gostosa. Sentimento
de alivio e segurança. Duas décadas depois, o “trauma” não mais lhe atormentava.
Perdeu-se em algum momento da adolescência.
Hoje, as dúvidas não são mais cruéis.
Curiosas, apenas. Como pode o mesmo ser klaustrofóbico admirar tempestades
noturnas e a sequência infinita de descargas elétricas que recortam o céu e
clareiam a terra? Rapidamente, capturar essas pinturas naturais em fotografias
virou obsessão. Acredita até que já entende as tempestades locais, concluiu que
a melhor época para fotografá-las seja entre agosto e outubro. Na madrugada
destes dias, dorme menos. Para assistir seu medo de infância passar,
retornar, realizar suas danças circulares sobre a região da sua casa e,
finalmente, sumir. O perigo deixou de existir.
É quando a chuva começa a
cair. Forte. Para ele, enfim, dormir tranquilo.
Foto: Klaus Pettinger |
2 comentários:
Hahaha, lendo seus comentários sobre o medo mais profundo infantil, o medo do escuro, me vi refletida.Mesmo vivendo em uma grande cidade, e ainda que na região central, ao acabar a luz no meio da tempestade(coisa sempre muito comum em Curitiba até hoje), o pavor e as minhas soluções sempre foram realmente iguais as suas, o aconchego do quarto materno, que somente em situações de “extrema necessidade” deveria ser invadido tinha um gosto estranho ,misturando o pavor da situação somado ao prazer indescritível da permissão de poder dormir junto.
Pensei nas tempestades atuais em minha vida, pra minha surpresa, e juro, profundo desapontamento, não consegui resgatar nos últimos 10 anos exemplo algum, não que elas não tenham existido, logicamente foram muitas, porem o barulho extremo de carros, pessoas e todos os comprometimentos matinais, me fizeram não mais enxergá-las, ou ao menos não mais senti-las... do alto de minha cobertura com teto de vidro (literalmente), as tempestades perderam seus poderes, até mesmo sua poética, viraram apenas uma remota lembrança infantil.
Ai que saudades das lindas e temerosas tempestades!
Continue fotografando, talvez essa seja a janela que eu procurava para que entre muros de concreto e alarmes disparados, eu possa novamente temê-la, respeitá-la e especialmente senti-la.
Não detalhei no texto, mas sua observação sobre o aconchego do quarto materno, que também no meu caso só deveria ser solicitado em casos excepcionais, bate perfeitamente com minha experiência. O engraçado era que, apesar de tudo, eu não via a hora de voltar pra minha cama, geladinha. Mas precisava haver um mínimo de "segurança" para tanto... hahaha
Espero que você reencontre uma possibilidade de apreciar esses fenômenos naturais! Quem sabe numa viagem à praia? Excelente local para apreciar tempestades (à noite, lógico, pois durante o dia a gente nem pensa na hipótese..rsrs).
Obrigado pelo comentário-relato! Volte sempre.
Um abraço.
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