sábado, 28 de agosto de 2010

Em busca do Belo Encantado

(ou "Mataram o narrador")


Era uma vez uma linda donzela, que vivia na favela do Atirado. Ela sonhava em encontrar seu Belo Encantado, mas não sabia muito bem para qual Bangu ele havia sido transferido. Até que um dia... Aaahhhhhhhh...

- Ei, narrador. Narrador acorda! Não faz isso comigo, narrador! Ah, não acredito! Quando finalmente raiou o tão esperado “até que um dia...” o narrador me bate as botas.

- Bope! Bope!! Todo mundo para o chão, eu disse para o chão, caravalho!

- Bope? Cara, foi só o narrador morrer pra você, seu escritor mixuruca, apelar para aumentar seu iBope – taí um belo nome para smartphone do Bope, não acha!?

- Cala a sua boca, sua paca! Eu disse todo mundo para o chão.

- Não fala assim comigo, seu, seu... seu caveira imundo! E pode me prender, pois já passei do chão faz tempo! Eu vivo no inferno!

- Zero Vinte e Quatro!

- Senhor, sim senhor!

- Prenda ela! E leve também esse corpo “que não me pertence”.

- É do narrador, seu policial estúpido!

- Narrador? Agora não tem mais narradorzinho nenhum aqui. Quem manda nessa pomba aqui sou eu!

- Grosso!

- Leva ela Zero Vinte Tantos!

- Senhor, Zero Vinte e Quatro, senhor!

- Isso, que seja. E para todos os efeitos, foi ela quem matou esse sujeito. Manda ela pra Bangu.

Então o... os olhos... cof... da Donzela voltaram a... a... brilhar.

- Narrador! Você não morreu?!

- Na verdade sim, doeu para caravalho. Mas esse escritorzinho mixuruca não estava encontrando um jeito de continuar a história sem mim!, disse o narrador, em claro ato de insubordinação.

- Que ótimo. Eu também não vivo sem você. Desde que eu nasci, você vive me dizendo o que fiz, faço ou farei!

É para isso que servem os narradores de contos de fadas.

- Fadas? Fadas, narrador? Você é um fanfarrão, seu mer... Zero Qualquer Um, pegue o saco.

Então, num súbito ato de bondade, o escritor coloca um portal de outra dimensão nesta história, para o qual Donzela e Narrador correm freneticamente.

- Ãh, narrador... Desculpa, mas... Cadê esse tal portal?

Pô, escritor! Tá de sacanagem? Ajuda aí, camarada. Até hoje, tudo o que eu disse aconteceu.


Então, um portal, do nada, caiu dos céus e abriu-se diante dos dois personagens bonzinhos da história.

- Narrador, sei não, isso soou um tanto irônico...

E foi, Donzela, mas eu só leio o script.

Correndo adoidados e sob o olhar catatônico dos Homens de Preto, Donzela e Narrador viram diante de si uma oportunidade boa para cachorro. Jogaram-se para dentro do portal e então o improvável aconteceu.

- Narrador, o que é isso? Que coisa esquisita é essa? Parece que eu estou surfando e...

Então a pequena Donzela se deu conta. Esforçando-se para compreender aquela situação muito além da própria imaginação, viu-se diante do improvável.

- Chega de embolação. Conta logo o que aconteceu, pombas!

Pombas? Que meigo!

- Pára, Narrador. Não tem graça.

Donzela percebeu que estava presa no Google.

- Que?!

Do Google. O portal de internet. Não foi isso que eu pedi? Eu, o Narrador, queria um Portal de outra dimensão... Tchanã!

- Narrador, narrador... Olha só o que sua insubordinação nos causou, narrador!

No início, tudo era esquisito. Visitaram o Orkut, pulando de perfil em perfil, machucando o rosto dos usuários. Depois foram parar no You Tube, copiaram e descolaram uma pipoquinha do Google Imagens e viajaram o Mundo pelo Google Earth. Então cansaram.

- Ai, narrador. Estou cansada. Meus pés estão me matando. Minha cabeça está doendo. Essa história não poderia ter sido mais tradicional?


Narrador e Donzela decidiram voltar. Clicaram em “sair” no Orkut, deslogaram-se do You Tube, abriram o Google Earth, digitaram Rio de Janeiro e pularam sobre a favela do Atirado.

- Senhor, eles voltaram, senhor!

- Por favor, seu policial de mer.... Cumpra seu trabalho e me leva logo pra prisão.

- Que palavreado indigno para uma donzela. Vamos, Zero Abaixo de Zero, leve-a para Bangu.

O Narrador foi poupado, pela sua idade avançada.

- Deixa esse velhinho gagá aí.

Contudo, para conseguir narrar o final da história, ele pegou uma carona com o Caveirão até a penitenciária de Bangu.

Donzela passou 15 anos presa por desacato à autoridade, tentativa de fuga ultradimensional e um homicídio.

- Homicídio? Perguntou o Narrador, insuborinando-se novamente. – Mas eu não morri.

Donzela encontrou seu Belo Encantado, que morreu de amores por ela – eis o real homicídio. Houve outros crimes, como uma música dele para ela, que fala algo sobre “mel, sua boca tem um céu, e com esse hálito não dá, mas eu queria te beijar”...

- Narrador estúpido, “sua boca tem um mel e melhor sabor não há, que loucura te beijar”.

Por fim, o Narrador agradeceu à Donzela por gravar esta música-chiclete em sua memória e, lamentando-se por isso, informou que Donzela e seu Belo Encantado viveram felizes para sempre.

FIM 

Um comentário:

Eu sou doc disse...

Meu comentário está lá no blog. Confira. Grande abraço