segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"Hundert anos Solidkeit" ou "Cem Jahre Einsadão"

Ao terminar, no ano passado, a leitura da última página de “Cem Ano de Solidão” (do genial Gabriel García Márquez), tive duas certezas sobre o livro: a) ele é literal e literariamente fantástico, e b) preciso lê-lo de novo.

Como numa álgebra perfeita de quem prefere as letras aos números, decidi experimentar, literal e matematicamente, por a + b, novamente o sabor surreal desse clássico.

Como objetivos vagos possuem dedicação vaga, resolvi ler o mesmo livro, com a mesma história, do mesmo autor, mas em outra língua: a alemã. Tal qual fizeram com José Arcadio Buendía (que decepção, mas não traduziram os nomes dos personagens para o Deutsch!), podem taxar-me de lunático, mas a experiência é interessante.


Mesmo não compreendendo 100% das palavras (nem Goethe entendia...), acabei entendendo outras que a tradução para o português dificultou.


Quanto li até agora? Incríveis 32 páginas, mas, calma. É alemão, meu Freund (Freund - amigo -, não Freud)! E como bem sabe o Bope, alemão é complexo...


A tradução, contudo, é de tal maneira perfeita que é mais agradável (e até fácil) ler Hundert Jahre Einsamkeit (a tradução do título) do que ler “Meteor”, a versão alemã do tal “Ponto de Impacto”, de Dan Brown.


Abaixo uma comparação de um trecho fabuloso (como sempre, literalmente) do livro em português e em alemão. A perfeição da tradução é tamanha que parece ter sido traduzido do português para o alemão (o que suponho, e espero, não ser o caso).


Cem anos de solidão

"Quando acordaram, já com o sol alto, ficaram pasmos de fascinação. Diante deles, rodeado de fetos e palmeiras, branco e empoeirado na silenciosa luz da manhã, estava um enorme galeão espanhol. Ligeiramente inclinado para estibordo, de sua mastreação intacta penduravam-se os fiapos esquálidos do velame, entre a enxárcia enfeitada de orquídeas. O casco, coberto por uma lisa couraça de caracas e musgo tenro, estava firmemente encravado em num chão de pedras...".

Hunder Jahre Einsamkeit
“Als sie bei hohem Sonnenstand erwachten, waren sie starr vor Staunen. Dicht vor ihnen, umwachsen von Farnen und Palmen, weiss und staubig im stillen Morgenlicht, lag eine riesige spanische Galeone. Sie war leicht nach Steuerbord geneigt, von ihren ungebrochenen Masten hing zwischen den orchideengeschmünkten Takelage das schmutzige Segelwerk. Der mit einem glatten Panzer aus versteinerten Saugfischen und weichen Moos überzogene Rumpf war fest in einen Steinboden gepflanzt...“

Logica e surpreendentemente, a versão alemã é um tanto mais comprida, mas até que não muito.


Estragando um pouco o espírito nerd-intelectual desse post, fiz outra comparação.


De duas situações muito comuns no cotidiano: o atendimento em um restaurante (qualquer um, fino, rotineiro ou bar) no Brasil e o mesmo atendimento, na Alemanha.


No Brasil, o garçom chega e pergunta, cordialmente sorridente:


- Boa noite. E então, já decidiu?
- Sim, me vê por favor um Schnitzel, com batatas fritas e salada.
- Pois não, e para beber?
- Uma coca, por favor. 

Na Alemanha, o garçom chega e pergunta cordialmente... cordial (versão traduzida seguida do original):


- Boa noite. O que posso servir/oferecer ao senhor hoje?
(Guten Abend. Was darf ich Ihnen heute anbieten?)
- Eu gostaria de (ou: eu estaria querendo) receber um Schnitzel, com batatas fritas e salada, por favor. (Ich würde gerne einen Schnitzel, mit Pomes und Salad haben, bitte.)
- Com gosto. E o que seria (ou: poderia ser) para beber? (Gerne. Und was darf es zum drinken sein?)
- Eu gostaria de receber um Coca, por favor. (Ich hätte gerne eine Cola, bitte.)

Não é aula de alemão, não. Frases completas, cordialidade à flor da pele e, da mesma forma, um atendimento excelente. Esses alemães... 


Como dizia um deles, um bem mediano, por sinal: "Quem não conhece líguas estrangeiras, não sabe nada da própria", Johann Wolfgang von Goethe.

Um comentário:

Tatiana Lazzarotto disse...

Depois você achou estranho eu querer ler este clássico em italiano. Achou tão estranho que copiou a ideia! Não acho que é questão de cordialidade, no italiano as frases também são mais enroladas (no sentido de menos diretas) que no português e nem por isso os italianos devem ser considerados cordiais. Gostei da última frase, passei a conhecer mais do português quando conheci um pouquinho de italiano.
Beijo!